Nova edição das Diretrizes Metodológicas de Avaliação Econômica em Saúde atualiza critérios que podem colaborar com a incorporação ao SUS
A Rede Brasileira de Avaliação de Tecnologias em Saúde (Rebrats), ligada ao Departamento de Gestão e Incorporação de Tecnologias em Saúde (DGITS) do Ministério da Saúde, prepara uma atualização das Diretrizes Metodológicas de Avaliação Econômica em Saúde, que servem de orientação para os especialistas avaliarem tecnologias que serão incorporadas ao Sistema Único de Saúde (SUS). A última versão, de 2014, encontra-se desatualizada frente aos novos desafios da saúde e metodologias.
A nova proposta esteve em consulta pública até 19 de setembro e traz sugestões como a institucionalização do limiar de custo-efetividade. Também propõe mais detalhamento que a versão anterior, buscando trazer mais transparência para o processo de avaliação de tecnologias em saúde e se adequar aos avanços da última década. A versão final deve ser publicada em breve, mas ainda não há previsão.
“As diretrizes têm a função de orientar o como fazer. Elas não são uma lei. A expectativa é que contribuam com a qualidade do que vai ser feito. Mas a posição real, sobre a acurácia e a flexibilidade, é da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec)”, afirma Ana Paula Etges, pesquisadora do Instituto de Avaliação de Tecnologia em Saúde (IATS) e professora do Programa de Pós-graduação em Epidemiologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Segundo ela, o refinamento de parâmetros pode contribuir para que as decisões tenham menos influência da política, lobby e pressões. Apesar de apontar que a essência da análise econômica não tenha mudado, Etges afirma que a capacidade analítica de acesso a dados, conduzindo modelos mais avançados de análise, mudou.
Terapias avançadas, como gênicas e curativas, e tecnologias para doenças ultrarraras não foram contempladas nas diretrizes propostas e deverão ser alvo de discussões posteriores. No caso das ultrarraras, a Rebrats já iniciou o processo, com um workshop sobre o tema em setembro. Um novo workshop e discussão setorial deverão ser marcados antes da recomendação final.
“O processo e a metodologia não diferem, o que muda são as flexibilidades de decisão. Ter uma flexibilidade maior financeira para esse tipo de terapia talvez faça sentido. O rigor metodológico em fazer estimativas de longo prazo pode ser melhorado no país”, observa Etges.
Novidades e importância das novas diretrizes
Para a pesquisadora, a parte principal da mudança proposta na nova versão se concentra no eixo de custos. Ela participou da elaboração e destacou pontos que podem impactar a decisão da ATS a partir da sua aplicação, assim como a incorporação de tecnologias ao SUS. Na versão anterior, os custos analisados eram muito centrados no preço e código de tratamento em sistemas, não considerando gastos ao longo da jornada.
“Existem pacientes com doenças de alta complexidade que estão praticamente morando em hospitais, por exemplo, e isso não é contabilizado. A decisão que se sai lá na frente, que é baseada nessa informação, tem que se preocupar com o dado de entrada. E nessas diretrizes isso está mais direcionado”, explica Etges.
Ela aponta que, quando uma tecnologia é mal dimensionada, pode impactar significativamente o orçamento posteriormente. Segundo ela, existe uma falta de visibilidade sobre os custos reais com os pacientes ao longo de um tratamento, e esse fator precisa ser levado em conta ao se definir o possível impacto da incorporação no orçamento.
“Avaliação de custos mais acurados com o real impacto orçamentário e maior precisão da população alvo, que tem condição de uso da tecnologia, são pontos de atenção para os modelos atuais. Há muita falha em como muitas tecnologias têm sido propostas e avaliadas”, avalia.
Outro ponto levantado é que a versão anterior das diretrizes, de 2014, não contemplava os dispositivos médicos de forma específica. A sua avaliação acabava se baseando em regras aplicadas a medicamentos. Esta nova proposta avança nesse quesito ao incluir direcionamentos de como trabalhar com dados nesses casos.
“Caso a ATS tenha como objetivo a incorporação do dispositivo médico para novas aquisições, devem ser considerados os custos associados ao fornecimento, à instalação, ao treinamento, à logística, a consumíveis e à manutenção, além do preço de aquisição”, observa a proposta de diretriz que passou por consulta pública. De acordo com Ana Paula Etges, há especialistas que defendem que deveria até mesmo existir um processo distinto.
Temas como acordos de compartilhamento de risco e gastos com judicialização da saúde não estão inseridos no novo texto e nem deixam de serem considerados no processo de ATS. Na avaliação de Etges, não considerar o custo com o fornecimento de medicamentos via judicial é “fechar os olhos” para os gastos que já existem, mesmo sem a incorporação.
Doenças raras e participação social
As doenças raras ganharam espaço nas novas diretrizes. O texto reforça a possibilidade de utilizar limiares de custo-efetividade alternativos em casos específicos, como de tratamentos para doenças raras, que afetam 65 pessoas em cada 100.000 indivíduos. Neste caso, o valor considerado pode ser de 3 PIB per capita, equivalente a R$ 120 mil, por anos de vida ajustado para a qualidade (QALY, na sigla em inglês).
Para Verônica Stasiak Bednarczuk de Oliveira, CEO do Instituto Unidos pela Vida e doutoranda em Ciências Farmacêuticas com ênfase em Avaliação de Tecnologias da Saúde (ATS), é preciso ampliar a seção destinada às doenças raras. Isso inclui olhar para as orientações metodológicas sobre o uso de dados observacionais, dados de vida real e registros de pacientes como fontes legítimas de informação.
Ela também aponta que é preciso ampliar o uso da perspectiva da sociedade, que considera custos diretos da produção do serviço ou procedimento, além do tempo dedicado pelos pacientes e seus familiares para o manejo da doença. No entanto, observa que a diretriz afirma que essa perspectiva pode tornar o processo mais longo e de mais difícil apropriação das origens dos recursos.
“A discussão é restrita a métodos econômicos clássicos. Embora relevantes, essas abordagens não captam plenamente impactos distributivos (quem arca com os custos), nem os custos diretos não médicos e indiretos. Além disso, em doenças raras, o peso da família cuidadora é tão relevante quanto a perda de produtividade laboral. A literatura recente aponta também para abordagens para captar desigualdades”, observa Stasiak.
A CEO do Instituto Unidos pela Vida reforça que é preciso que o processo de avaliação de tecnologia em saúde para incorporação ao SUS considere desfechos do único, resultados relatados pelo paciente (PROs) e medidas de qualidade de vida. “O ideal é tornar obrigatória a apresentação de análises na perspectiva da sociedade como cenário complementar para doenças raras, ultrarraras e pediátricas graves”, afirma.