Tecnologias avançadas dão visibilidade a necessidades particulares de comunidades historicamente invisibilizadas e, assim, oferecem soluções para mais pessoas
A onda de avanços tecnológicos na saúde possibilitou melhorias no cuidado aos pacientes, na gestão das organizações e na formulação de políticas públicas, mas também trouxe preocupação com riscos de aumento das inequidades da sociedade. Isso porque populações socialmente vulneráveis enfrentam mais dificuldade de acesso a serviços de saúde e sub-representação em bancos de dados qualificados, o que os torna muitas vezes invisíveis aos sistemas. O desafio exige das organizações um olhar ativo e estratégico – e, felizmente, já há exemplos práticos neste sentido.
É o caso da nova área de Dados Globais e Tecnologias Avançadas para a Equidade do Einstein, que utiliza ciência de dados e inovações como a inteligência artificial para entender as dificuldades atuais e endereçar problemas que distorcem o olhar da saúde para essas populações. Para Edson Amaro, superintendente da área, pensar a equidade pelo prisma dos dados envolve praticar o melhor da medicina baseada em evidências e exige dedicar esforços não apenas para coletar dados, como também para qualificá-los e torná-los acionáveis.
“Todo o processo de organizar o cuidado de uma população é baseado em medicina baseada em evidência, mas ele parte da informação da média. Daí a importância de uma representação real da população alcançada pelo serviço”, afirma. Segundo ele, o desenho do cuidado a partir de dados reais inclui desde a promoção da saúde, o diagnóstico e a terapêutica, até a reabilitação e posterior monitoramento do paciente – fatores que podem fazer a diferença para a saúde e qualidade de vida de populações desassistidas. “Ao usar ciências de dados, IA e Big Data, saímos da perspectiva do cuidado que beneficia a maioria e entramos no universo daquilo que é melhor para cada um.”
Dados em prol da equidade
De acordo com Amaro, a nova área de dados focada em equidade tem como meta levar soluções para
comunidades e populações vulneráveis e torná-las parte do processo, aprendendo com cada uma delas.
Para isso, os trabalhos desenvolvidos envolvem diferentes colaboradores e demandam a participação
ativa das próprias pessoas atendidas pelos projetos, considerando as diversidades de formação técnica.
“Quando começamos um projeto desse tipo, não sabemos exatamente para onde ele vai nos levar. Então,
trazemos essas pessoas para os fóruns de decisão e, uma vez decidido o que é relevante, elas também
estão presentes em todas as etapas de desenvolvimento da solução”, detalha.
Neste contexto, a inteligência artificial tem sido uma aliada do processo. Em grandes bases de dados
por exemplo, ela já atua na estruturação, padronização e avaliação das peças que, ao final, se se transformam em informação de valor. Em outras palavras, ela otimiza todo o processo de “destilação” dos dados.
No Einstein, a IA já é amplamente utilizada na organização do sistema como um todo. Ela auxilia em aspectos como a redução do desperdício de recursos, melhora do fluxo do paciente na instituição, previsão de rotatividade de leitos e profissionais e muitas outras. Ao todo, são 116 algoritmos validados e aplicados diariamente.
Essa perspectiva de uso de IA para organizar o sistema é um pouco diferente da sua aplicação em outras áreas
da saúde. No cuidado direto com o paciente, ainda precisamos olhar alguns fatores com mais ateção e cuidado.
Neste caso, todos os usos da ferramenta exigem uma decisão final do médico, responsável pelas consequência
geradas ao paciente.
IA no combate à desigualdade
A busca por uma medicina baseada em evidências com olhar para a equidade tem permitido esmiuçar as necessidades particulares de cada população ao indivíduo. Essa visão está por trás do desenvolvimento de projetos com o VERACIS (Vulnerabilidade Étnico-Raciais, Ambiente, Clima e Impacto na Saúde), realizado em parceria com o Proadi-SUS, que avalia questões relacionadas às mudanças climáticas e aos fatores ambientais. O foco está no impacto desses fenômenos na saúde da população vivendo em condições de vulnerabilidade socioeconômica em comunidades, áreas rurais e comunidades quilombolas, com o olhar voltado mais especificamente para a população negra.
A iniciativa está alinhada a conceitos já bem estabelecidos, como justiça climática, e as evidências de que a crise ambiental não é vivenciada de forma equitativa por toda a sociedade. “É um projeto que envolve o clima e o ambiente e olha para as modificações climáticas e de poluição na população mais vulnerável, inclusive, com viés racial, porque a população negra já tem um histórico de anos de viver em uma situação de vulnerabilidade social”, afirma Amaro.
Esse mesmo olhar inspirou uma aliança para além das fronteiras brasileiras, com o objetivo de aumentar a diversidade representativa nos principais bancos de dados do mundo. A Mayo Clinic Platform_Connect incluiu oito hospitais renomados, entre eles a Mayo Clinic e a Mercy, dos EUA; o Einstein; a University Health Network, do Canadá; o Seoul National, da Coreia do Sul; a SingHealth, de Singapura; a Aga Khan University, da África Subsaariana; e o Sheba Medical Center, de Israel.
A expectativa é de que, até o final de 2026, dados de mais de 50 milhões de indivíduos estejam inseridos nessa base, anonimizados e protegidos. Isso é possível graças a uma metodologia que garante que os dados não saiam do hospital de origem enquanto são acessíveis via IA. “Além disso, também fazemos parte de uma rede com países da Europa e da Ásia. E na América do Sul, ajudamos a construir uma rede com países da região. Isso provê essa conexão global de dados em que os algoritmos podem ser treinados a enxergar as diferenças de operação”, explica o especialista.
A tendência para os próximos anos é que o perfil de dados disponíveis se expanda exponencialmente na medicina. Uma das vertentes são as abordagens multimômicas, que levam em consideração a biologia dos sistemas, integrando informações do DNA, do RNA, das proteínas e moléculas. Além disso, a tecnologia computacional promete acompanhar essa evolução dos dados. O Einstein, inclusive, já está explorando novas formas de computação, incluindo a computação quântica.
Para além dessa revolução tecnológica, a aposta de Amaro para a nova era está na criação de estruturas que garantam que a informação de uma minoria seja também parte do tecido dessa nova medicina. Segundo ele, princípios de segurança e proteção de dados. “Temos que olhar para o futuro e saber: estou olhando para a população que representa a raça humana, não apenas para os privilegiados. É isso que temos que entender para alcançar um horizonte mais promissor.”
Por: Isabelle Manzini
Fonte: https://futurodasaude.com.br/equidade-na-saude-brd-einstein